Entrou indolente na sala. Fora o último a chegar, consequência do trânsito infernal que sempre se faz sentir na ponte àquela hora da manhã, mais o tempo dispendido a procurar um lugar para o carro, que naquela zona é quase impossível. Acabara por o deixar no parque do outro quarteirão de prédios, a pagar, é claro. Aborrecido, parou no café da rua perpendicular, esperançoso que a bebida lhe retirasse a almofada que ainda sentia colada à face.
Sentou-se na única cadeira livre no topo oposto à presidência. Abriu a garrafa de água depositada sobre a mesa, não porque tivesse sede mas para se manter entretido. Olhou a folha à sua frente, onde poderia ter lido a agenda de trabalhos, mas apenas para mostrar um certo ar de interesse.
“Bom dia senhores, contamos hoje com a presença da drª L que irá apresentar o novo projecto”
As palavras ecoaram-lhe no cérebro adormecido, obrigando-o a levantar os olhos para a figura feminina que se erguia na outra ponta da sala. “Ela?” Recordações afloraram-lhe à mente, memórias invadiram-lhe o pensamento. Remexeu-se na cadeira. Reabriu e fechou a garrafa de água. Clicou repetidamente na esferográfica. Ajeitou a madeixa de cabelo. Passou a mão trémula pela barba. Fitou-a! “Ela!” Os mesmos lábios sedutores. A mesma boca atraente. O mesmo movimento ao pronunciar as palavras – que hoje não ouviu – da mesma boca que outrora o seduziu.
E sem querer, sem premeditação, assaltou-o a ânsia de voltar a pecar…